17.3.24
Ogivas
12.2.24
Sentido
(para A.B.)
A vida não faz mais sentido
Não há mais encartes de LPs
comprados na Caverna Discos
Não há mais domingos na banca de revista
hábito comezinho que eu realizava com meu pai
A vida não faz mais sentido
Não recebo mais cartas
Nem frequento feiras de filatelia
Não encontro jornais impressos
muito menos a crônica de F. Pereira da Nóbrega
A vida não faz mais sentido
Nunca mais datilografei um texto
e muito menos os tabloides publicaram a minha opinião
Não há mais escritos de Arthur Boka
apenas a crítica roedora dos ratos
A vida não faz mais sentido
A Caros Amigos acabou
só restou a Piauí
que de nordestina pouco tem
Não há mais como colecionar cartões
telefônicos
Muito menos fichas DDD
Entrego meus sentidos a essa falta de sentido...
11.2.24
Poemorto (2)
Quando eu morrer, por favor
Preservem a cama que eu dormia
Deixem os óculos em cima da escrivaninha
Indiquem aos turistas fazer visitas à luz do dia
Quando eu morrer, por favor
Empalhem os animas de minha idolatria
Exponham todas as minhas alvissarias
Mostrem todos os caminhos de onde eu vinha
E não esqueçam de apagar os poemas do tempo da infancia
Manifesto 150tão
Já sinto o peso do tempo
Pesa mais que mil elefantes
Porém, é mais leve
que os corações valentes
Por isso, comemoro o sesquicentenário
Vivi três vezes mais que mereci
Vesti camisa de revolucionário
Nunca orei em sinagogas
Agora tenho a cara de otário
Perdi amigos, sofri e chorei
Por isso, comemoro o sesquicentenário
É muita história para contar
Muitos poemas que servem para limpar pratos
Muita música para cantar apenas o relicário
Foram tantos planos
tantas agendas preenchidas
Por isso, comemoro o sesquicentenário
Minha cara de maracujá
Não permite comemorar o cinquentenário
Estou saciado, comi a vida e lambi as beiras
Por isso, aos cinquenta comemoro o sesquicentenário
Sinto-me completo, cheio de ar
Apesar de sentir falta de um ovário
Painho 85
¹⁶ ⁰¹ ¹⁹³⁹ —
A sexualidade sempre esteve presente na vida do meu pai.
Quando perguntado qual atividade física realizava, sempre respondia:
- sexo, três vezes por semana;
Quando perguntado como gostaria de morrer, sempre respondia:
- durante a relação sexual;
Infelizmente ele não conseguirá realizar tamanho desejo.
Serei mais objetivo no meu leito de morte:
- desejo morrer recitando, apenas, poemas.
Poemorto
Estive em Curitiba,
mas não vi o Leminski
Nem vivo, nem morto
apenas fachada
Parece que Curitiba
não tem poeta, nem porto
8.1.24
Corpos nus
Corpos nus
Eu não quero teu seio
Não quero tua bunda
Não quero (teu) sexo
Eu só quero nossos corpos nus na beira da cama
Quero brochar infinitamente
para poder desabrochar todo o sentimento que escorre do meu talo (flácido)
Ao som de super-homem
(a canção)
Minha porção, desabrocha
(G)calada então, ficaria assim temerosa
Ao fim da cerimônia de acertos
Gozaríamos em uníssono
Ao som da sinfonia estelar
Corpos nus
Numa noite, assexuada, de sono
17.7.23
Canção para um amigo a espera da cura
Eu sei que sigo o meu caminho
Enquanto você espera pela cura
Mas isso não quer dizer que deixei de emanar, diuturnamente, meus xamãs e orixás
Eu ateu, oro por ti todos os dias
Vibro orações e oxalás
Eu sei que enquanto você espera pela cura
Lê minhas digressões poéticas
E se pudesse ler minha mente
saberia que refaço nossos encontros todos os momentos
Enquanto você espera pela cura
Tiro as lições que aprendi contigo
Relembro o silêncio em sala de aula
Danço as músicas que você cantou
Navego pelos mares que gargalhamos
Escuto canções que você musicou
Enquanto você espera pela cura
Revejo choros e lances de xadrez
Amigos em comum aparecem a todo momento
como uma procissão em prece
Como um bom presságio
Nesta passagem chamada vida
Ar Dor
Meu médico falou que devo parar de escrever
- Palavras tóxicas vão te matar;
Diz ele...
Mal sabe que escritos podem ser armas brancas
perfurocortantes
Inalações tóxicas são mais brandas que minhas ilações
Palavras mordazes mordem mais que ladram
Palavras malditas têm mais chumbo que as tintas de Portinari
Por isso, escrevo com ardor
Preciso bater metas, correr ligeiro
gerar dor
Cult
Sim, eu quero ser Cult
Andar a pé pela escadaria Selerón
Assistir Godard e fingir que tudo entendi
Mirar Monet, Picasso e Van Gogh
Passar horas com os Retirantes
Subir o Morro Dona Marta lendo a revista Vogue
Sim, eu quero ser Cult
Quero ler os livros da Biblioteca Nacional
E toda a coleção da National Geographic
Ouvir Bach, Bethoven e Villa-Lobos
Jogar xadrez nas horas vagas
E desafiar mágicos cubos
Quero ser Cult para poder desafiar o ignorante
Conhecer a História para não repetir o passado
Quero a ciência para poder compreender o mastodonte
Quero ser Cult para me armar até os dentes
Ter conhecimentos e listas
E lutar contra os fascistas
Sociedade dos poetas putos e mortos
Leio escritores mortos
e saceio minha fome com a carne das escritoras (mortas)
Esbanjo-me com Sartre
Enamoro Clarice
Converso com Drummond
Rogo o dia da Cerimônia do Adeus
Minha carne entregue a jovens leitores
Agradecendo a sanha voraz do verme que me transformará em pó
Morcegos-consciência baterão à minha porta
E abrirei bem prazenteiro
(para passar o cozinheiro)
Estarei no céu nublado com os Anjos de Augusto
Na moral de Vinícius
Cortando lenha com o Machado de Assis
Não haverá mais ombros
Nem terei que suportar o mundo
Apenas eu passarinho
Voando livre pelo céu
Voltarei a ser Barro na casa de Seu Manoel
Irmão de Mário da velha Quintan(d)a
E uma flor de Lis (pector)
Será jogada junto com minhas cinzas
nos bailes da vida
Anunciando o (re)Nascimento de Milton e dos amigos do peito
Fausto
"Todo este fausto
Me cheira a falso"
Tão falso quanto o amor que construiu este país
Amor de Índio (morto)
Amor de português posto
Amor bandeirante
que corre solto nas veias abertas
da minha América Latina
Tudo é tão falso quanto este amor que constrói este país
Vias abertas
Pulso que ainda pulsa
Miséria em toda parte
Poema de sete faces
Macabéia desvairada
Veias abertas
Tudo é tão falso quanto este ódio que destrói este país
Mentiras sinceras
Vertigens catatônicas
Seriados de TV
Metaverso que pulula
Tique toques com gim tônica
Tudo isso me cheira falso
Para muitos, parece fausto
* trecho retirado de Niketche uma história de poligamia de Paulina Chiziane (Companhia das Letras), além de várias citações de autores que amo.
12.5.23
Cincoenta
Cheguei aos cinquenta
Com muitos cacoetes
E pouca massa cinzenta
É meu tempo de brigar com a geração vindoura
De estar no paredão de fuzilamento
De achar a vida dura
Narrativas, relações tóxicas, masculinidade
comunistas enclausurados
Serão coisas da idade?
Graças a Marx,
continuo vivo
Anacrônico
ma(i)s vivo...
14.11.22
MilTons
Meu Nascimento é cheio de MilTons Cheio de canções onde estou preso Cheio de amores entregues
E continuo caçando o meu ser
Eu inacabado
Nasço e Renasço em MilTons
Nasço e Renasço nos braços dos meus amigos americanos
Nasço e Renasço com os meninos e o povo no poder
MilTons eu sou Maria, sou Maria, uma total magia
Você dá o tom da minha vida pois você é MilSons 🎼